O serviço público de educação é um pilar essencial e imprescindível de uma democracia que, por definição, garanta a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento integral de uma sociedade moderna.

Vídeo-poema XV: «Cântico Negro» de José Régio

«Cântico Negro»

Poema de José Régio

Declamado por:

 I - Marco d'Almeida
II - João Villaret



I
«Cântico Negro»
declamado por Marco d'Almeida


II
«Cântico Negro»
declamado por João Villaret



"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


Hiperligações:
Video-Poema I - «O Portugal Futuro» de Ruy Belo
Vídeo-Poema II - «As palavras interditas» de Eugénio de Andrade
Vídeo-Poema III - «Da mais alta janela da minha casa» de Alberto Caeiro
Vídeo-Poema IV - «Quando vier a Primavera» de Alberto Caeiro
Vídeo-Poema V - «Mãezinha» de António Gedeão
Vídeo Poema VI - «Portugal» de Alexandre O'Neil
Vídeo-poema VII - «Pastelaria» de Mário Cesariny
Vídeo-poema VIII - «O Sorriso» de Eugénio de Andrade
Vídeo-poema IX: «Acordai» de José Gomes Ferreira
Vídeo-poema X: «Sabedoria» de José Régio
Vídeo-poema XI: «Uma pequenina luz» de Jorge de Sena
Vídeo-poema XII: «Tabacaria» de Álvaro de Campos, por Mário Viegas
Vídeo-poema XIII: «As mãos» de Manuel Alegre
Vídeo-poema XIV: «You Are Welcome To Elsinore» de Mário de Cesariny


José Fernando Vasco

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